sábado, 29 de janeiro de 2011

O Dom parte 5

Ainda faltavam chegar algumas pessoas para a minha festa, mas as chances de eu conseguir meu tão esperado presente iam diminuindo. Fui até a janela para ver se tinha algum convidado chegando, mas aquele silêncio e vazio na rua me deixava cada vez mais apreensivo. Percebendo minha desanimação e como muitos convidados já haviam chegado, minha mãe pediu a Cacau para colocar uma música animada num tom bem agradável.

Naquela época meu universo musical se reduzia a 3 cantores famosos: Fofão, Xuxa e a Turma do Balão Mágico. Como lá em casa só existia uma vitrola, era uma guerra entre Tadeu, que gostava do Fofão, Tati, que gostava de Xuxa, e Cacau, que gostava da Turma do Balão Mágico. Para tentar organizar aquela confusão meu pai estabeleceu uma regra: cada um podia escutar um disco por vez e apenas nos finais de semana. O problema era que não existia um limite de rodadas e eles transformavam aquele momento na competição mais acirrada que já havia presenciado nos ultimos tempos. Não bastava ter que escutar as mesmas 36 músicas, 12 de cada LP, várias vezes por dia, eu tinha que presenciar e avaliar a performance de cada um deles durante todo o final de semana.

Tadeu era o mais rápido dançarino que eu já havia visto, dançava numa velocidade de 100 rotações por minuto (RPM) enquanto o disco tocava a 45, e a cada nova rodada de Fofão ele sempre voltava dançando mais rápido. Aquele fato me impressionava tanto, que me levava a pensar que nos intervalos entre a execução do seu disco favorito ele treinava para fazer mais bonito e tirar onda com a cara das meninas. Aquilo me enchia de orgulho, ter um irmão tão comprometido com a dança. Eu como irmão mais velho começava a traçar um futuro para ele, iria transformá-lo no mais rápido dançarino que o condominio já viu. Mas aquele meu sonho não era uma tarefa fácil, não pelo fato de não existir competições de dançarinos mais rápidos, mas simplismente pelo fato de que Tadeu sempre estava aprontando alguma coisa e algo não estava cheirando bem.

Tati tinha uma voz linda, eu só não conseguia entender porque ela afinava a voz quando ouvia o LP de Xuxa. Ver aquela cena de Tati cantando e dançando como Xuxa me deixava desapontado, às vezes me entristecia tanto que eu procurava o silencio do meu quarto, quando Tadeu não estava por perto, mas em poucos minutos eu lembrava que nunca deviamos desistir dos nossos sonhos por mais difíceis que eles podessem parecer e voltava a enfrentar um dos desafios de minha vida, aplaudir a performance de Tati, incentivando o grande sonho dela que era ser uma das paquitas de Xuxa. Tatiuxa tinha um grande aliado para alcançar seu tão desejado sonho, meu pai. Por mais que ninguem acreditasse que ela chegaria a ser uma Paquita um dia, meu pai sempre buscava olhar o lado positivo das situações e chamava ela de "Minha Filha Lora", apesar dela ter cabelos castanhos escuros. Aquela emoção tomava conta de todos lá em casa, pois era a maior prova de amor que meu pai demonstrava por ela.

Cacau era apaixonada pela Turma do Balão Mágico, toda vez que tocava seu disco favorito ela vestia a roupa de Simoni e eu como irmão cobaia tinha que me vestir igual a Jairzinho. Era o pior momento do final de semana. Enquanto eu não aguentava mais aquele troca-troca de roupa e escutar as mesmas músicas o tempo todo, para ela era como se o disco tivesse acabado de sair da fábrica. Eu não entendia como Cacau conseguia escutar a mesma música um milhão de vezes e reagia da mesma forma quando escutava novamente. Quando a música era triste ela chorava, quando era alegre ela dançava.

Por um bom tempo eu passava longe da radiola de lá de casa, ela fazia parte dos meus piores pesadelos, mas a minha preoculpação naquele dia com meu tão esperado presente não chegou a ser abalada quando Cacau seguiu a recomendação de minha mãe e colocou o seu disco favorito para tocar. Paciencia, eu precisava ter um pouco mais de paciencia.

Minha mãe tinha razão e a festa começou a ficar mais animada. A música estava tocando, os meninos dançando, os mais velhos conversando quando de repente a música foi interropida por alguns instantes. Todos viraram para olhar o que tinha acontecido com a radiola e era ele mesmo que estava lá. O pequeno Tadeu olhou para todos com aquela carinha de "É a minha vez" e colocou seu disco favorito para tocar. Estava ali o grande momento esperado mim para dar um empurrão na carreira de meu irmão. Eu tinha a tarefa de apresentar aos convidados o mais rápido dançarino de todos os tempos. Chamei Tadeu no canto e lhe disse:

- Essa é sua chance de mostrar tudo que você treinou nesses ultimos meses. Sai que é sua Taffarel, ops... Tadeu.

A música começou a tocar e Tadeu a dançar, mas ele estava usando a técnica de ir aumentando aos pouquinhos a velocidade e o tom da música. Começou numa velocidade de 80 RPMs e um tom baixo. Mas o interessante que a mudança de velocidade dele era precedida de uma ida à cozinha quando ela estava vazia. Depois de 5 idas e voltas na cozinha ele já estava a uma velocidade de 150 RPMs e o Tom da música era tão alto que não se escutava mais nada naquela festa, porém nada conseguia chamar a atenção dos convidados naquele momento além de Tadeu. Todos queriam saber até onde ele chegaria. Quando de repente, mesmo com aquele som ensurdecedor na festa, todos escutaram uma voz vindo do bloco 37 do condominio, que ficava a 3 quadras de distância do bloco 80:

- Abre a porta Tairoooooombrêe, que daqui a 10 minutos estou chegando....

Era meu grande primo Hux Caverna. A presença dele numa festa e de seu irmão Hex Caverninha só trazia agitação. O problema era que minhas chances de conseguir meu tão esperado presente diminuiam mais um pouco, porque Hux e Hex em todos os aniversários que iam só davam um "Peba" na cabeça de presente, hoje conhecida como "Pedala Robinho", e eles foram os próximos a chegar...

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